Exercícios com caneleira
Quem sabe um dos maiores equívocos quando se pensa em exercícios para o desenvolvimento dos glúteos, seja pensar em usar caneleiras. Eu não sei explicar porque no Brasil esse tipo de equipamento se tornou tão popular, mas isso não é uma regra em outros locais do mundo. A afinidade com a caneleira parece extrapolar todos os limites, porém todas as evidências e análises realizadas levam ao raciocínio exatamente oposto: não tem como ser uma boa opção.
A primeira observação recai no fato de que quando se tem torque de resistência, não se tem capacidade muscular de gerar tensão. E quando se tem capacidade muscular de gerar tensão, não existe mais resistência. Observe a figura abaixo, de uma das posições mais populares adotadas nesse exercício.
Na imagem A temos uma grande resistência, produto do torque gerado pela massa da perna e da caneleira (caso estivesse lá) e o grande braço de resistência (distância até o eixo) observado até a articulação do quadril. Entretanto, o músculo do glúteo está completamente encurtado, sem a menor possibilidade de contribuir com a geração de uma tensão adequada. O nome desse fenômeno é insuficiência ativa (figura abaixo), quando um músculo muito encurtado (sobreposição dos filamentos dentro do sarcômero) perde capacidade de gerar tensão. Sendo assim, outros músculos como os isquiosurais neste caso, acabam tendo a responsabilidade de suportar tal posição.
Quando a pessoa passa para a posição B, o glúteo começa a ficar numa excelente posição para gerar tensão, entretanto não existe mais carga a ser vencida, pois agora a força de resistência se encontra praticamente embaixo do eixo, e o torque gerado pela resistência é próximo a zero.
Existem ainda outras variações, como fazer com a perna estendida, o que reduz ainda mais a amplitude de movimento, e continua não exigindo do glúteo grande trabalho. Fazer abduzindo o quadril (levantar de lado) também é uma opção ineficiente, já que o glúteo médio, e não o glúteo máximo é o principal abdutor do quadril. Na verdade, na abdução, a ação do glúteo máximo é desprezível.
Num estudo sobre ativação elétrica do músculo do glúteo em diversos exercícios, a extensão do quadril, similar a da figura la de cima foi apenas o 8º exercício em grau de ativação, gerando apenas 59% do recrutamento encontrado em uma isometria máxima. Apesar de grau de ativação não refletir necessariamente efeitos hipertróficos isso serve para se observar como a opção é pouco eficiente.
Como resolver? Não use caneleiras! Faça outros exercícios.
Elevação pélvica
Outro best-seller na sala de musculação é a elevação pélvica, e que compartilha dos mesmos problemas observados no exercício acima: um extremo encurtamento do músculo no instante onde a resistência é maior e uma resistência pequena quando o músculo poderia começar a contribuir.
Na elevação pélvica vai ser quase impossível o músculo gerar grande tensão, pois ele fica praticamente o tempo todo num grau de encurtamento bastante elevado (lembra da insuficiência ativa?). Os que adoram esse exercício poderiam até levantar a bandeira do “estímulo metabólico”, justamente em razão deste grau de encurtamento, o que dificulta o fluxo de sangue e poderia ser eficiente à hipertrofia.
Mas tem outro problema, a sobrecarga de cisalhamento sobre a coluna. Olhe a figura:
Como a carga fica sobre a articulação do quadril ela gera um vetor de força vertical para baixo, entretanto os ombros apoiados no banco acabam gerando um vetor vertical para cima. Em algumas vertebras da coluna será então observado um efeito de cisalhamento, uma força vetorial numa direção em um ponto da estrutura e na direção oposta em outro ponto.
E para os discos e vertebras essa é uma dos tipos de estresses mais danosos que existem. Se você observar a figura a seguir, vai verificar que o tecido ósseo consegue suportar quase 4x mais estresse compressivo do que de cisalhamento. E a pergunta é: vale a pena se expor a isso?
Além disso o movimento exige uma retificação lombar e uma hiperlordose ao redor da coluna torácica no momento em que a descida é executada, o que aumenta ainda mais o estresse sobre as estruturas da coluna.
Ah, mas se então eu fizer no solo? Melhora? Nada. Continua acontecendo o mesmo efeito de insuficiência ativa além de não ser possível alongar o músculo adequadamente. Além disso (observe a próxima figura) no final do movimento, somado ao efeito de cisalhamento provocado pela carga, existe uma hiperlordose lombar (setas pretas) e uma hipercifose torácica (seta amarela) o que expõe a coluna a um estresse completamente desnecessário
Como resolver? Faça outros exercícios.
Passada alternada
Pode até parecer legal ficar andando pela academia com aquela barra nas costas, mostrando pra todo mundo que você está treinando, e principalmente ocupando o espaço de passagem das outras pessoas. Mas do ponto de vista dos resultados, realizar a passada alternando o exercício entre o membro direito e esquerdo não vai levar a muita coisa não. Principalmente se o objetivo é hipertrofia. Se a gente observar, o exercício de passada pode até ser uma boa opção para o treinamento dos músculos dos membros inferiores, mas nunca será uma opção inteligente para o desenvolvimento dos glúteos se realizado caminhando pela sala. Deem uma olhada no desenho abaixo.
Vamos analisar apenas a perna esquerda. O primeiro problema começa quando a pessoa se mantem na posição A. O fato de que em algum instante você se posiciona em pé, já faz com que as ações musculares, principalmente do glúteo sejam mínimas. Não é preciso contraí-lo com intensidade para manter essa posição. Isso é um intervalo entre as repetições, o que não deveria ocorrer.
Quando se agacha (B) e a perna fica atrás e duas coisas importantes acontecem. A primeira é que o glúteo é colocado em posição de enorme encurtamento, o que reduz abruptamente sua capacidade de gerar tensão. Sendo assim, quando for necessário levantar novamente, esse músculo não vai conseguir ajudar em nada nesse movimento, sendo que o trabalho todo ficará a cargo do quadríceps. E essa é a segunda observação importante: se você olhar as setas vermelhas, vai observar que o angulo ao redor do joelho mal chega a 90º. Isso significa que o musculo da parte anterior da coxa está muito confortável para gerar tensão e praticamente todo o trabalho dessa perna vai ser responsabilidade dele. E vai ser pouco trabalho. Em geral, as maiores tensões, e por consequência estímulos hipertróficos, são conseguidas com músculos numa posição de grande alongamento, e não é o caso aqui.
Na figura C, mais um intervalo. Estou vendo mais intervalo do que treino nesse exercício, rsrsrsr.
Na figura D vemos a posição onde realmente o trabalho é mais intenso. Na verdade essa é a única posição onde isso é significativo para o glúteo, pois o músculo esta alongado, numa posição onde pode gerar tensão e a intensidade do esforço será maior. Mas note que é apenas o glúteo da perna esquerda que está trabalhando, pois o do outro lado já está em insuficiência ativa e parou de contribuir. E quando você se levantar? Intervalo para os dois!
Esse problema de realização de exercícios alternados já foi descrito em 1995 num estudo de Schott et Al. (1995), onde foi verificado que a adoção de intervalos entre as contrações gerou um menor ganho de força (+31,5%) em relação a manutenção de uma contração constante (+54,7%). E pior, esses intervalos impediram o aumento da massa muscular, aumento esse verificado (aprox. +10%) apenas nos exercícios que mantiveram uma tensão muscular contínua.
Como resolver? Realize a passada com uma perna de cada vez, sem ocupar a academia toda, executando todas as repetições da perna esquerda e depois todas da perna direita, sem permanecer na posição em pé. A tensão é constante e o exercício mais eficiente.
E a sua série de exercícios, como está organizada? Você tem o cuidado de observar o que foi citado aí em cima? Da pra melhorar a organização dela?
Fonte: ricardosouza.pro.br