Quando um bebê está a caminho, acompanhamos a cada semana os avanços desse novo corpo que está se formando. E vemos, a cada mês, como a barriga da mãe vai crescendo. Com o pai, parece que está tudo igual, mas ter um filho é uma experiência que também pode mexer com o cérebro e os hormônios dos homens, como alguns estudos começam a revelar.
Se por fora a aparência do homem parece a mesma, por dentro seu corpo passa por algumas mudanças que podem facilitar a experiência da paternidade. Já existem evidências (ainda que provenientes de pequenos estudos) de que a ligação afetiva — e depois física — com o bebê deixa os homens menos impulsivos, mais brincalhões e até mesmo com a audição mais afiada.
Entre os mamíferos, somos uma das poucas espécies em que o cuidado paternal é comum. Por isso, nos últimos anos, cientistas de todo o mundo começaram a estudar como essa ligação estreita com os filhos altera o cérebro e o comportamento masculino. Esses estudos ainda são pequenos, feitos com grupos reduzidos de homens, mas já dão uma pista sobre como a experiência da paternidade pode ser transformadora.
Um cérebro mais vigilante
Quem é pai pode até ganhar massa cinzenta em áreas ligadas ao processamento de emoções e à tomada de decisões, mostra um estudo feito por pesquisadores das universidades de Denver e Yale, nos Estados Unidos. Ao avaliar imagens do cérebro de 16 homens antes e depois de se tornarem pais — sete deles pela primeira vez —, eles descobriram que algo havia mudado.
Comparando as imagens de antes e depois, eles perceberam um aumento da massa cinzenta em áreas que também se desenvolvem nas mães, como o corpo estriado (que processa recompensas), o hipotálamo (que controla os hormônios), o córtex cingulado (envolvido no processamento das emoções) e o córtex pré-frontal lateral (que atua na memória e na tomada de decisões).
Os cientistas ainda não sabem explicar completamente o porquê dessas alterações, mas uma coisa é certa: em alguns animais, essas regiões do cérebro têm um papel importante nos sentimentos e comportamentos afetuosos e de cuidado com a cria.
A mesma pesquisa mostra que outras regiões do cérebro encolhem com o início da paternidade. É o caso do córtex pré-frontal medial, do sulco pós-central e de outras regiões que, juntas, fazem parte do modo padrão de operação do cérebro.
Isso significa que o cérebro paterno sai do modo padrão para agir de outra forma – mais vigilante, por exemplo. Outras duas regiões ligadas à ansiedade também diminuíram depois que os homens se tornaram pais, e a redução foi maior quanto mais forte era a conexão física entre eles e seus bebês.
Espírito brincalhão
Outro estudo trouxe um resultado surpreendente: os pais podem ter níveis ainda maiores de ocitocina, um hormônio associado ao parto e à lactação, do que as mães.
Um grupo de pesquisadores norte-americanos descobriu que o nível de ocitocina no sangue dos pais subiu 8% nos primeiros seis meses de convivência com o bebê. Esse aumento, segundo o estudo, pode estar relacionado ao nível de envolvimento com o filho, e a liberação da oxitocina pode ser uma maneira de contrabalançar o estresse de lidar com um bebê em seus primeiros meses.
Seu efeito no comportamento dos homens, porém, é diferente. Enquanto a ocitocina deixa as mães mais afetuosas, nos pais ela leva a interações mais brincalhonas com os bebês, com toques de estímulo e que ajudam o bebê a reconhecer seu corpo no espaço. O estudo sugere que talvez cada gênero adote o comportamento que, na interação com o bebê, traga mais recompensas — tanto que as crianças em geral procuram os pais para brincar e as mães para confortá-las em momentos de estresse.
Menos testosterona
Não basta ser pai: tem que participar. E, quanto mais o homem participa, mais pode cair seus níveis de testosterona, um hormônio associado à agressividade e aos comportamentos de risco.
Um terceiro estudo, feito com filipinos, mostra que os homens que cuidam dos filhos três horas por dia têm menos testosterona do que os pais que não se dedicam a essas tarefas. Aliás, quanto mais horas os pais passavam cuidando do filho, menor era a quantidade de testosterona em seu organismo, e o declínio nos níveis do hormônio foi maior entre os pais de primeira viagem do que entre os que já tinham filhos.
Segundo os pesquisadores, esse achado é um indício de que os homens evoluíram e desenvolveram uma arquitetura neuroendócrina que facilita sua transição para o papel de pais e cuidadores.
Hormônio paternal
Além da queda de testosterona, outra alteração hormonal pode acontecer com os pais: o aumento da produção de prolactina. O mesmo hormônio que, nas mulheres, estimula a produção do leite e o comportamento maternal ajuda os homens a ter um comportamento paternal e aumenta a sensibilidade aos estímulos do bebê.
Um outro estudo, que avaliou 289 filipinos, revela que os pais tinham 13% mais prolactina no sangue do que homens sem filhos, e que os níveis do hormônio eram maiores em pais de bebês do que em quem tinha filhos maiores.
O nível de prolactina, no entanto, não variou de acordo com o maior ou menor envolvimento no cuidado com os bebês, e os autores não descartam a hipótese de que pode ser que homens com mais prolactina tenham mais tendência a ser pais.
Como se vê, a ciência ainda engatinha quando se trata de mostrar como o que acontece com um homem quando ele se torna pai. “Ainda não há consistência nas pesquisas que nos permitam afirmar que as alterações hormonais aconteçam com todos os homens, por exemplo”, comenta Josemar de Almeida Moura, especialista em Endocrinologia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Mas já há indícios de que a paternidade pode, sim, ser uma experiência transformadora até para o cérebro.