Ao juntar Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci em um filme sobre as relações profundas da máfia italiana com a história recente dos Estados Unidos, o diretor Martin Scorsese chega, de certa forma, ao ápice de sua carreira – mesmo que esta não seja sua melhor obra.
A produção, que estreia nesta quinta-feira (14) em 19 cinemas de 15 cidades brasileiras para depois entrar no catálogo da Netflix no dia 27, consegue as esperadas atuações gigantescas de seu trio de protagonistas, com um imenso destaque ao trabalho de Pesci.
Mesmo assim, é difícil negar que o diretor tenha corrido muito poucos riscos ao longo das inacreditáveis três horas e meia de duração do filme. Mais do que retornar a um dos temas pelo qual se tornou mais conhecido, ainda recrutou dois dos atores mais importantes de sua geração. Não tinha como dar errado.
A tecnologia usada para rejuvenescer os atores pode até ser vista como um grande desafio – que os veteranos tiram de letra. Mas “O Irlandês” é Scorsese jogando seguro como poucas vezes se viu em sua rica filmografia.
Quem matou Jimmy Hoffa?
A adaptação do livro de mesmo nome escrito por Charles Brandt conta a história de Frank Sheeran (De Niro), o Irlandês do título, desde seu começo como um simples gângster e matador até a amizade com o líder sindical Jimmy Hoffa (Pacino).
Com isso, constrói uma teoria para um dos desaparecimentos mais conhecidos da história americana, ao mesmo tempo em que narra o (possível) envolvimento da máfia italiana com outros eventos notórios, como a eleição de John F. Kennedy à presidência.
Tudo isso enquanto se preocupa mais uma vez com o lado humano da organização criminosa, em uma discussão sobre poder e legado.
A tecnologia – que dá aos septuagenários a possibilidade de interpretarem seus personagens desde os 30 anos até o fim de suas vidas – funciona bem, por mais que a primeira impressão seja a de estar assistindo a um video game moderno.
Tirando a novidade, o resto do filme funciona como a grande obra de arte que se pode esperar da reunião de Scorsese com a dupla de “Os bons companheiros” (1990) e “Cassino” (1995) e a adição de Pacino, em seu primeiro trabalho com o diretor.
Genialidade sem novidade
Dos três, que obviamente ganharão merecidas indicações ao Oscar, Pesci se destaca no papel do chefe mafioso calmo e sábio, o oposto de seu Tommy DeVito do clássico de 1990. Afastado do cinema desde 2010, o ator apresenta uma terna porém poderosa atuação, melhor exemplo da humanidade por trás dos gângsters de Scorsese.
O cineasta, aliás, produz mais uma narrativa violenta e bem-humorada a partir do roteiro do ganhador de uma estatueta por “A lista de Schindler” (1993), Steven Zaillian. Marca do trabalho do diretor, o equilíbrio entre sangue e leveza destacam sua conhecida genialidade.
Fácil prever que ele também deve ser lembrado pela Academia – assim como o filme.
Outro ponto que reforça sua grandeza é a duração da produção. As três horas e meia poderiam parecer intermináveis nas mãos de alguém com menor destreza, mas Scorsese faz com que elas passem sem grande impacto sobre o público (tirando, é claro, as corridas apressadas ao banheiro).
Por isso que a maior decepção seja a falta de riscos corrida pelo projeto, que parece se apoiar na força de seu elenco e em elementos já testados e aprovados pelo diretor.
Após a publicação de seu texto no jornal “New York Times” sobre filmes de heróis e como o cinema, para ele, é “trazer o inesperado”, é um pouco decepcionante.
“O Irlandês” é genial como todos podiam esperar de uma produção envolvendo todos esses nomes (o filme ainda conta com participação de Harvey Keitel!), mas também parece, às vezes, um pouco com déjà vu.
Fonte: G1