Longe do pico do coronavírus e às portas do inverno no hemisfério sul, o Brasil caminha em direção a uma tempestade perfeita, com a curva da covid-19 em ascensão, o início da temporada do vírus influenza (causador da gripe), final da temporada de dengue e surtos ativos de outros vírus que pareciam superados, como o do sarampo.
Até este sábado (16), o Brasil registrou 233.142 casos confirmados de covid-19 – já supera a Itália e a Espanha – e 15.633 mortes, o que faz do país um dos epicentros globais da pania.
A expansão do coronavírus, que chegou ao Brasil em fevereiro, ocorre em meio a outros surtos infecciosos que preocupam as autoridades de saúde.
O país está superando o pico da dengue – geralmente em abril e maio – transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, que também é portador do vírus Zika, febre amarela e chikungunya.
De acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, até o momento foram relatados 676.928 casos suspeitos de dengue, com uma taxa de incidência de 322 casos por 100.000 habitantes e 265 mortes.
Em junho, com a chegada do inverno no sul, os casos de dengue diminuem, mas os de gripe comum e outras doenças respiratórias aumentam.
Em 2019, o Brasil, com uma população de 210 milhões de habitantes, registrou 1.122 mortes pelos três tipos de influenza, segundo dados oficiais.
Este ano, a gripe e a dengue se somam à covid-19 e, com isso, vem a dificuldade de diferenciar cada caso, uma vez que os três vírus causam sintomas semelhantes nos primeiros dias da doença.
“Combinação explosiva”
“Essa combinação é bastante explosiva”, explica o dr. Adriano Massuda, professor de saúde coletiva do centro de estudos privados da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mauricio Lacerda, pesquisador da Fundação de Amparo de Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), trabalha em um hospital de São José do Rio Preto e garante que “as perspectivas são muito ruins” para o inverno.
“Aqui no hospital, já temos pacientes com gripe, covid-19 e dengue, e tivemos mortes causadas pelas três doenças. É uma situação muito complicada e que sobrecarrega a rede pública”, disse ele.
Além disso, ainda existem surtos de sarampo em todas as regiões do país. Até o momento, neste ano, foram relatados 2.910 casos da doença, quase metade deles no estado do Pará, também um dos mais afetados pelo coronavírus, e três mortes.
“O sarampo está voltando ao Brasil, tem baixa cobertura vacinal e pode ser apenas mais um problema”, diz Massuda.
Em 2019, houve 18.200 casos de sarampo e 15 mortes em todo o país, 14 delas em São Paulo, hoje o epicentro brasileiro da covid-19.
À medida que as unidades de terapia intensiva dos hospitais se enchem, o presidente Jair Bolsonaro continua envolvido em uma “guerra política” contra as medidas de isolamento dos governos regionais e a favor do retorno à normalidade.
Durante essa cruzada, dois ministros da saúde já caíram em menos de um mês: Luiz Henrique Mandetta, firme defensor da quarentena, e Nelson Teich, que se recusou a recomendar cloroquina para todos os tipos de pacientes com coronavírus, como o líder de extrema direita deseja.
Ambos eram médicos e agora, com a curva da epidemia do novo coronavírus em plena escalada exponencial, o Ministério da Saúde está nas mãos, temporariamente, de Eduardo Pazuello, general do exército sem experiência nav área.
Falta de investimento em saúde
O desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS), que abrange toda a rede de hospitais públicos e da qual 75% dos brasileiros dependem, aumenta ainda mais com o problema crônico de financiamento que a rede sofre.
Para Massuda, a política de austeridade fiscal, que começou com o governo Michel Temer (2016-2018) e continuou com Bolsonaro, agravou essa situação.
Segundo relatos de organizações de direitos humanos, desde que um controverso teto de gastos orçamentários foi aprovado no final de 2016, o Brasil parou de investir cerca de R $ 30 bilhões no setor de saúde (hoje, cerca de R $ 5,17 bilhões).
Mas o problema é mais antigo: de acordo com cálculos dessas organizações, a falta de recursos levou a uma redução de 49.000 leitos de terapia intensiva no país entre 2007 e 2019.
“Os laboratórios do sistema público de saúde estão desmontados e isso não ocorre há seis meses, faz dez, quinze anos. Isso atrasou a detecção e o diagnóstico do coronavírus e agora os hospitais pagarão um preço enorme”, diz Lacerda.