Em votação concluída no começo da noite, membros da instituição decidiram substituir mais um integrante do Conselho Superior do Ministério Público (CSMPF) que era considerado próximo ao atual PGR. O resultado significa que Aras trabalhará com um Conselho dividido praticamente ao meio, e não terá maioria de membros alinhados a ele.
A nova composição do colegiado pode afetar a tramitação da proposta de Aras de centralizar as investigações anticorrupção e contra o crime organizado em uma unidade própria em Brasília. A ideia precisa passar pelo CSMPF.
Foram escolhidos para o Conselho na terça os subprocuradores-gerais José Bonifácio Borges de Andrada e Maria Caetana Cintra Santos. Os dois tiveram 40 votos cada.
Esta não é a primeira derrota de Aras na escolha de integrantes do CSMPF: ele sofreu um revés similar na semana passada.
Na primeira rodada de votações, foram eleitos para o Conselho dois candidatos que fazem “oposição” a Aras na política interna do MPF. Mario Bonsaglia foi eleito com 645 votos, e Nicolao Dino obteve 608 apoios, derrotando procuradores considerados próximos ao atual PGR.
Com a renovação, o PGR passa a ter de três a quatro votos, entre os dez integrantes do Conselho, incluindo o dele próprio, que preside o grupo.
O Conselho Superior do MPF é o colegiado máximo de deliberação do órgão. Não atua diretamente em investigações, mas pode barrar iniciativas propostas pelo PGR e que envolvam mudanças na estrutura do Ministério Público.
Suas atribuições vão desde a definição dos critérios para os concursos públicos do MP até a realização de investigações disciplinares, como sindicâncias.
Dos dois eleitos na terça, um recebeu o apoio de Aras. Maria Caetana Cintra Santos já integrava o colegiado e pleiteava a reeleição.
O outro escolhido não é próximo ao PGR. José Bonifácio Borges de Andrada derrotou o subprocurador Hindemburgo Chateaubriand Pereira Diniz, que buscava a reeleição. Hindemburgo é o atual secretário de cooperação internacional da PGR, indicado por Aras.
Um procurador atento ao assunto, ouvido sob reserva pela BBC News Brasil, avalia que Aras deve ter mais dificuldades a partir de agora. Antes, o colegiado costumava se dividir em cinco a cinco, com voto de minerva do PGR em caso de empate. Agora, a tendência é que o PGR tenha quatro ou três votos, a depender do tema em debate.
“Para manter o mesmo equilíbrio de antes, ele (Aras) precisava emplacar dois nomes simpáticos a si (nesta terça). Se não era uma situação totalmente confortável, era pelo menos administrável. Agora, ele vai estar em minoria. De seis a quatro, ou de sete a três, dependendo do tema”, diz o procurador.
“Quem eram os candidatos de Aras? Hindemburgo, que é secretário (de Cooperação Internacional) na gestão dele, e foi derrotado; e a Lindôra (Araújo), que é o braço direito do Aras. Mas ela (Lindôra) se desgastou com aquela visita atabalhoada à Lava Jato de Curitiba (na semana passada) e retirou a candidatura”, diz esse profissional.
Lindôra de Araújo é a coordenadora da Lava Jato na PGR. Ela retirou a candidatura no domingo, depois da repercussão negativa de sua ida a Curitiba. Ela requisitou acesso a informações sigilosas da Força-Tarefa da Lava Jato paranaense, atitude mal recebida pelos investigadores. Quatro procuradores renunciaram aos postos depois da visita dela.
“Depois que a Lindôra retirou a candidatura, o Aras se movimentou para apoiar a Maria Caetana. Mas ela, até ontem, não contava com o apoio de Aras. Então não sei até que ponto ela (Maria Caetana) vai ser próxima dele. Foi apoiada pelo PGR, mas também por pessoas independentes”, diz o procurador.
Outro membro do MPF diz que essas mudanças só poderão ser verificadas de fato em setembro, quando está marcada a primeira reunião do Conselho com a nova composição.
A votação de terça-feira foi restrita aos subprocuradores-gerais, profissionais que estão no terceiro e último degrau da carreira no MPF. Enquanto na semana passada os cerca de 1.150 procuradores em atividade puderam votar, na terça foram consultados apenas os 73 subprocuradores-gerais da República.
‘Superpoderes’ para investigar políticos
O resultado de terça-feira põe em risco a tramitação de uma das principais iniciativas de Aras até aqui: a criação de uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), que centralizaria em Brasília as informações sobre este tipo de investigação.
O projeto é visto como uma forma de concentrar poderes na PGR, e é criticado por adversários de Aras como um ataque à independência dos demais procuradores, garantida pela Constituição. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que é uma espécie de sindicato dos membros do MPF, também se posicionou contra a ideia.
A proposta implicaria a fusão das equipes da Lava Jato no Rio, em São Paulo e em Curitiba, além da força-tarefa da operação Greenfield, em Brasília. O coordenador da Unac seria escolhido pelo PGR, e teria mandato de dois anos.
O texto tramita no Conselho Superior do MPF e depende da aprovação do colegiado. Os autores são os procuradores José Adonis Callou de Araújo Sá e Hindemburgo Chateaubriand, o mesmo que foi derrotado na terça-feira ao tentar a reeleição para o Conselho.
Segundo um procurador a par do assunto, o assunto começará a ser discutido no segundo semestre deste ano, já com a nova composição do Conselho Superior.
“Hindemburgo foi o principal autor, em consonância com Aras”, diz um integrante do Conselho. “O Adonis também assinou, mas a autoria dos dispositivos mais controvertidos parece ser mesmo de Hindemburgo”, diz ele.
Desde maio, a PGR vem pedindo acesso às bases de dados compiladas pelas equipes da Lava Jato em Curitiba e também no Rio de Janeiro, inclusive a informações sigilosas. Até agora, as duas equipes negaram os pedidos.
Quem é quem na Cúpula do MPF
Dos dez integrantes do Conselho Superior, dois são membros vitalícios: o próprio Aras e o vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros. Além dos dois, o conselheiro Alcides Martins também é considerado mais alinhado ao atual PGR. Ele é o vice-presidente do colegiado.
Maria Caetana Cintra Santos recebeu o apoio de Augusto Aras na terça-feira, quando foi reeleita, mas a posição dela é considerada incerta por outros conselheiros. Outro voto que não está garantido é o de José Elaeres Marques Teixeira: ele foi indicado por Aras para atuar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), posição considerada honrosa dentro do MPF; mas tem votado de forma independente até agora.
Os outros cinco conselheiros não são próximos ao atual PGR.
Mario Bonsaglia foi o mais votado pelos procuradores na lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em junho passado. A lista, porém, foi ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Assim como ele, Luiza Frischeisen também concorreu à lista da ANPR, e ficou em segundo lugar. Bonsaglia teve 478 votos; ela, 423.
Assim como Bonsaglia, José Bonifácio Borges também acaba de chegar ao CSMPF. Ele foi eleito na terça derrotando a candidatura de Hindemburgo Chateaubriand, aliado de Aras. O terceiro novato é Nicolao Dino, escolhido na mesma eleição de Bonsaglia. Ele também derrotou candidatos de Aras para chegar ao conselho.
Fecha a lista o procurador José Adonis Callou. Ele chegou a ser o coordenador da Lava Jato na PGR, mas renunciou ao cargo em janeiro deste ano após atritos com Augusto Aras. A reclamação era de interferências no trabalho do grupo.
Eleição é parte de disputa de poder no MPF
A eleição de terça-feira (30) é a parte final de uma disputa de poder que está em curso no MPF há semanas. No começo do mês de junho, a instituição renovou os integrantes das sete Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs), colegiados temáticos que integram a estrutura da PGR.
A dança das cadeiras nas Câmaras e no Conselho acontece em um momento particularmente ruim para Augusto Aras.
No começo de junho, um manifesto de procuradores atingiu a marca de 655 assinaturas, mais da metade dos procuradores em atividade, pedindo ao Congresso que inclua na Constituição o mecanismo da lista tríplice para a escolha do PGR.
Embora não fizesse críticas diretas a Aras, o texto foi mal recebido por ele. O procurador baiano foi o primeiro a ser indicado para o cargo fora da lista tríplice desde 2003.
Publicamente, o PGR minimizou a importância do ocorrido e disse que o manifesto, de apenas dois parágrafos, era genérico. “Nesses termos, até eu assinaria esse abaixo-assinado”, disse.
“Ninguém questiona a legitimidade de Aras como PGR. Foi escolhido dentro do trâmite legal. Mas, para ele, tratar da lista tríplice é como falar de corda em casa de enforcado”, disse um organizador.
Recentemente, Augusto Aras se tornou alvo de críticas de procuradores por supostamente ter se aproximado do presidente Jair Bolsonaro, o que ele nega.
Desde o início do mandato, Aras se encontrou com Bolsonaro por seis vezes, muito mais que a antecessora, Raquel Dodge. Ela só esteve com o ex-presidente Michel Temer duas vezes durante o período correspondente.
Fonte: André Shalders – Da BBC News Brasil em Brasília