O presidente Jair Bolsonaro, na sequência do “auê” por causa da alta dos preços de diesel e gasolina que culminou na indicação de um general para tomar lugar de um economista na Petrobras, prometeu “meter o dedo” na energia elétrica. A declaração parecia sugerir, claramente, que seu objetivo era deixar menos salgada a contra de luz, e não o contrário.
No entanto, lá estava ele na noite de terça-feira (23) entregando uma medida provisória (MP) ao Congresso que parece caminhar exatamente na direção contrária do que se imaginava pelo discurso mais intervencionista dos últimos dias. Além de tentar ressuscitar o plano de privatização da Eletrobras, a MP pretende pôr fim ao chamado “regime de cotas” em troca do “regime de produção independente”, com preços livremente definidos pela empresa.
Em outras palavras, a medida parece ser positiva para a Eletrobras e seus investidores no mercado de capitais. Mas a contrapartida deve ser aumento da conta de luz.
Em linhas gerais, o tal “regime de cotas” vigente desde 2013, no governo Dilma, determina que elétricas vendam energia a preços regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O que, do ponto de vista do caixa da empresa, significa menores receitas, por acabarem ficando de fora da formulação de preços a incorporação de alguns custos. Já do ponto de vista do consumidor, esse modelo implica preços finais mais baratos do que poderiam ser.
Portanto, ao acabar com o regime de cotas, portas podem estar sendo abertas pelo governo para uma conta de luz mais alta no futuro.
Em relatório publicado nesta quarta, o banco Credit Suisse coloca luz e quantifica a questão. “O mercado estaria de beneficiando de preços potencialmente mais altos (perto de R$ 150 por MWh [MegaWath] contra os atuais R$ 60 por MWh] e outros efeitos colaterais do cenário pós-privatização, como corte de custos adicionais, melhor gestão de passivos, menor custo da dívida, entre outros”, diz o texto.
Ou seja, teria nitidamente a ganhar quem tiver ou for atrás de ter ações da Eletrobras privatizada. As ações da companhia em disparada nesta quarta (24), aliás, estão de prova. Consumidores de energia já não tem o que comemorar quando esses números forem incorporados na conta de luz.
Além disso, pode ser uma prova de fogo interessante ao Banco Central autônomo, que tem como arma os juros para controlar inflação medida pelo IPCA, em que os preços de energia têm peso considerável, na casa dos 4%.
É um peso relevante e que remete ao dos preços de combustíveis, e que tiram o sono e eventualmente a popularidade do presidente.
Fonte: Por Gustavo Ferreira, Valor Investe — São Paulo