Um filme pode ser muitas coisas. “Era uma vez em Hollywood”, o novo filme escrito e dirigido por Quentin Tarantino (“Pulp Fiction”) que estreia no próximo dia 15 no Brasil, é, ao mesmo tempo:
- uma excelente crônica sobre passagem do tempo e as mudanças inesperadas que uma pessoa pode sofrer;
- violento e sarcástico como toda obra do cineasta;
- mais uma declaração de amor deslumbrada a Hollywood feita por Hollywood;
- uma versão única de um dos crimes mais famosos dos Estados Unidos;
- e uma das melhores atuações da carreira de Leonardo DiCaprio.
(Mais) Um Oscar para DiCaprio
Anunciado como “o filme de Quentin Tarantino sobre os assassinatos comandados por Charles Manson” em 1969, “Era uma vez em Hollywood” até mostra sua versão do crime que tirou a vida da atriz Sharon Tate (interpretada por Margot Robbie), mulher do diretor Roman Polanski, mas está longe de ser um retrato do que aconteceu.
Na maior parte do tempo, a narrativa se concentra em dois personagens fictícios, um ator de faroeste em decadência (DiCaprio), vizinho do cineasta de “O bebê de Rosemary” (1969), e seu dublê (Brad Pitt).
A produção usa a dupla para falar sobre as mudanças geracionais em Hollywood, em uma época na qual os antigos astros durões se viam substituídos por jovens mais carismáticos.
Leonardo DiCaprio em cena de ‘Era uma vez em Hollywood’ — Foto: Divulgação
Enquanto Pitt (“Bastardos Inglórios”) usa de seu carisma desinteressado de sempre, DiCaprio (“Django Livre”) brilha com uma atuação explosiva e contida na dose certa, com a dificuldade de quem interpreta um personagem que também está atuando.
A cena em que ele finalmente resolve se levar a sério e depois recebe um elogio de uma jovem colega é uma das melhores de sua carreira.
O momento também serve como um bom exemplo da discussão central, ao mostrar como o trabalho de um ator, mesmo que supérfluo, pode ser sublime, ao mesmo tempo em que seu ego pode ser algo realmente patético..
Brad Pitt em cena de ‘Era uma vez em Hollywood’ — Foto: Divulgação
Essa visão crítica e sarcástica, no entanto, fica diluída dentro das mais de 2 horas e 40 minutos da produção. Através de um olhar deslumbrado, Hollywood aparece como um lugar no qual atores são deuses que dão a simples mortais o privilégio de sua companhia.
No caso do personagem de DiCaprio, a analogia é simples. Mesmo um deus decadente, lutando para manter sua relevância em uma indústria que não o quer mais, ainda é um deus. Ele tem problemas, é verdade, mas os tem do alto de sua mansão com piscina e um cadillac estacionado na garagem.
Tensão e catarse
O diretor sempre foi um mestre em construir momentos tensos e finais catárticos. Em “Era uma vez em Hollywood”, tais sequências são mais raras, e mais poderosas por isso. É engraçado como grande parte do filme é dedicado à rotina dos protagonistas sem grandes emoções, tirando a sombra do inevitável assassinato que todos sabem estar por vir.
Isso ajuda a potencializar os instantes mais “tarantinescos”, em especial a visita ao antigo estúdio no qual os hippies da “família Manson” vivem e o desfecho catártico, no melhor estilo “Bastardos Inglórios” (2009). Enquanto um é silencioso e interessado nos detalhes, o segundo é barulhento, catártico e sangrento.
Ambos têm sua violência, mas não poderiam ser mais opostos – e servem para mostrar um diretor em completo domínio sobre a história que quer contar. Isso também ajuda a evidenciar os deslizes do filme, já que tudo o que aparece na tela claramente saiu diretamente de sua boca, por assim dizer.
Margot Robbie em cena de ‘Era uma vez em Hollywood’ — Foto: Divulgação
Made in USA
Tarantino nunca escondeu seu amor pelo cinema. Por isso, até faz sentido que em algum momento de sua carreira fizesse uma declaração literal e direta, mas a inocência presente na visão de “Era uma vez em Hollywood” é decepcionante para um cineasta que ficou conhecido por surpreender.
Mais difícil ainda de entender é a mensagem sutil do filme de que bom mesmo é o que vem apenas dos Estados Unidos. Spaghetti westerns, os faroestes produzidos na Itália, são o ponto mais baixo da carreira do protagonista. Mexicanos são relegados a manobristas. Bruce Lee vira uma fraude com gritinhos que leva uma surra de Pitt.
Tais escolhas não fazem sentido nas mãos de um diretor tão apaixonado pelo cinema em geral, que tanto homenageou o artista marcial em seus filmes e que até contratou o compositor Ennio Morricone para a trilha de “Os Oito Odiados” (2015).
“Era uma vez em Hollywood” é muitas coisas. Algumas muito boas, outras nem tanto. O filme está longe de ser o melhor escrito e dirigido por Quentin Tarantino, mas mostra que o cineasta ainda controla como ninguém o que faz. E é sempre bom ver algo feito por alguém tão apaixonado pelo cinema, mesmo que ele perca um pouco a mão às vezes.
Fonte: G1