Eu confesso que acabei aceitando, mas custei ser convencido. Não precisei de ser doutrinado pela cultura local e fui a fundo para entender do que se tratava esta frase do folclore local, muito fala pelos formadores de opinião, mas sei que a frase se fixou em minha mente e há dias tenho pensado nela, interpretado de todas as formas possíveis na sua essência e seus impactos para a sociedade.
Quando soube da história do muro baixo, de rios de leite e ribanceiras de cuscuz, fui logo me lembrando dessa retórica cantada em verso e prosa na capital do minério. “Em terra de muro baixo, rios de leite e ribanceiras de cuscuz, ninguém deve nada e você não deve ninguém “.
Pessoas, como as cidades, devem dar vontade de visitar, organizar, planejar , devem satisfazer nossa relação com a sociedade, nossas expectativas e necessidade de viver com qualidade de vida, momentos sublimes devem ser cultivados, devem ser calorosos, ser generosos e abrir suas portas para os visitantes, deve fazer os visitantes quererem voltar, porém devem nos deixar 100% seguros de nossa convicção de que sempre podemos melhorar .
Uma pequena dose de apreensão e cuidado devem provocar, nunca devem deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como as cidades, têm problemas e mazelas internas, portanto, podem surpreender a qualquer momento, como as cidades, têm que funcionar e atender os mais necessitados, mas não podem ser clientelistas e previsíveis nas soluções dos conflitos.
De vez em quando, sem abusar muito da generosidade devem ser insensatas, ligeiramente passionais, demonstrar um certo desatino, ir contra alguns prognósticos pessimistas, cometer de organização e erros de planejamento e pedir desculpas depois, pedir desculpas sempre, para poder ter crédito e oportunidade de continuar a tentar a acertar.
Vamos analisar, uma cidade que há anos foi crescendo de forma avassaladora, sem planejamento, em vez de buscar sua identidade e sustentabilidade e tentar propor mudança de rumo e planejar seu futuro.
Perguntar !
O que será das futuras gerações? Ia logo reclamando que a tal exploração e crescimento não se importava mais com o futuro sim com o presente.
Como se eternamente ela será responsável por encher de presentes os gestores públicos com visão de curto prazo, sem planejamento estratégico e visão de futuro.
Como se ela tivesse obrigação de encontrar seu destino por obra do caso.
Mas é preciso entender que a exploração mineral não fica pra sempre igual, as coisas mudam. A safra de minerários só acontece uma vez.
Será que precisamos ser afetivamente responsáveis e pensar no futuro?
Quando começamos a entender e praticar, de fato, que ninguém nos deve nada, tudo muda na vida das pessoas, principalmente os mais necessitados.
Começamos a praticar visão de curto prazo e a auto responsabilidade com as futuras gerações, e aprendemos a trabalhar, visando interesses republicanos e atentar nossas expectativas, levando em conta o interesse público.]
Eu conheço uma porção de gente que passa a vida esperando que um favor seja devolvido.
Remói, lança pragas, reclama, cria mágoas.
Quase exige que o outro faça algo por ele, até mesmo quando nenhum favor ficou devido.
Aposto que você também conhece gente assim, que nomeia um Cristo para crucificar, independente da situação.
E talvez até pareça meio improvável que o mundo esteja cheio dessas pessoas, mas eu vou lhe dar um exemplo, que deixará claro o quanto existem pessoas que acham o outro sempre deve deixar um legado na vida pública para as futuras gerações.
Já reparou em quantas pessoas passam a vida esperando para serem reconhecidas pelo seu trabalho, em benefício dos mais carentes?
Se esforçam, se dedicam, querem um reconhecimento. Querem ser percebidas, notadas, crescer na luta pela sua causa, e depositam tudo isso na opinião pública.
O outro que pode mudar a imagem perante a sociedade como se esse fosse o único caminho possível para reconhecer seu esforço
E se não conseguem o que tanto desejam, saem logo dizendo que “foi porque o fulano nunca me deu uma chance”.
Quando passamos a viver a auto irresponsabilidade, aprendemos que somos responsáveis e até mesmo culpados por tudo que acontece ao nosso redor e pelas mazelas de nossa cidade. É preciso parar de culpar o outro.
É preciso parar de culpar o outro e nomear um anticristo.
É necessário entender que as escolhas de cada um levam a caminhos diferentes.
A realidade é que em grande parte do tempo o ser humano não está satisfeito, não é mesmo?
Se está solteiro, deseja ter uma família. Se tem uma família, sonha com a liberdade de ser solteiro.
Se tem emprego, reclama que queria ter tempo de viajar. Se perde o emprego, fica triste porque sem dinheiro não poderá viajar.
Se está no governo tudo é maravilhoso e se perdeu e está na oposição tudo é ruim todo mundo é ladrão.
Bem-vindo a condição humana, parece que sempre será assim!
Nossas escolhas nos levam a lugares diferentes.
E eu não culparia o destino totalmente por falta de conhecimento e planejamento aqui, porque sabemos que há vidas muito difíceis e nem sempre o sujeito consegue realizar, crescer. Inclusive porque pode faltar competência, orientação e apoio.
Pode ser que em algum momento você pense ou até solte um “nossa, fulano tá com a vida ganha, podia me ajudar, estou precisando”. Não é assim que acontece?
Pedir aqui não é problema ….
Do outro lado pode estar alguém que abdicou que vontades e sonhos, porque estava focado na campanha e perdeu. E agora vive uma condição de derrotado, mas na realidade, não é por isso que ele deve algo a alguém.
E isso não significa que a pessoa é ruim, mas que está cuidando da própria vida.
É óbvio que podemos ajudar sempre que pudermos, mas às vezes paramos e prejudicamos nossas próprias vidas para acolher o outro, que quis fazer as tais más escolhas.
Por piedade deixamos nossos trabalhos, nossas casas, cidades, matamos sonhos, para acudir quem agora está precisando.
Quando respeitamos, fazemos sem medir esforços, mas eu conheço gente que passa a vida toda assim, apagando incêndio aqui e ali, sem conseguir viver a própria vida, porque existe alguém do outro lado sugando, esperando por tal ajuda.
Se todos os dias zerarmos os “débitos” e nos lembrarmos que ninguém nos deve nada e que igualmente não devemos nada a ninguém, a vida ficará menos comprometida. Simplesmente não dá para ter expectativas sobre nada, nem ninguém. Pessoas são instáveis, diversos fatores às levam a tomar ou não decisões.
Cenários mudam. Promessas não são cumpridas. Favores em aberto nem sempre são retornados, ou retornados na devida proporção.
Deixar um favor em aberto é um grande risco.
O pedido pelo favor em troca pode chegar a qualquer momento e em uma medida completamente injusta, especialmente se ele vier de alguém que acredita que favores devem sempre ser trocados e que o outro sempre deve algo a ele.
Quantas vezes deixamos de fazer coisas pensando no que o outro vai dizer?
Nos julgamentos, nos comentários dos grupos de Whatsapp, nas risadas.
Tudo isso nos poda, mas no final do dia ninguém paga nossas contas ou cuida de nós quando ficamos doentes.
Às vezes até alimentamos esses monstros sem perceber.
Por exemplo, cobrança excessiva com a sua própria imagem. Então, você vai ao shopping e encontra gente com todo tipo de expectativa.
Começa a perceber que a maioria tem problemas e soluções, imperfeições, assimetrias.
Que não passa de um ser humano em sua condição humana. Seres humanos conversando e se divertindo, mesmo em situação de alerta.
E ali, naquele momento, suas neuras diminuem, porque você constata que não existe perfeição nesse mundo quando o assunto é ser humano.
Quantas desculpas precisamos dar para não ferir o outro?
Quantas vezes nos calamos diante do comentário inapropriado, porque fomos ensinados a não retrucar?
Por que é que só o outro pode passar a vida nos dizendo coisas idiotas enquanto a gente fica calado.
Cabeças são diferentes, pessoas pensam e vivem de maneiras muito diferentes.
Tantas vezes projetamos no outro o nosso modo de ser e de pensar.
Queremos que ele pense igual. Que pense em nós. Que aja conforme gostaríamos.
Que a cena romântica do filme com pedido de casamento ajoelhado no aeroporto depois de um voo perdido seja também repetida em nossas vidas.
Mas quer saber?
Muito disso é cinema puro e nada mais.
A tal cena pode até acontecer por aqui, por que não?
Mas será muito mais gostoso e libertador, se você passar a viver dizendo a si mesmo, todos os dias, que ninguém lhe deve nada.
E que você também não deve nada a ninguém.
Nossa capital do minério continuará eterna correndo rios de leite em ribanceiras de cuscuz
Vamos adiante.
Deus no comando.
WJN