É lá que podem ser encontrados sedimentos com manganês, ferro, cálcio e outros metais, além de reservas dos chamados nódulos polimetálicos — recursos minerais usados na produção de painéis solares, baterias, artefatos bélicos e laboratoriais.
“Esses recursos são os que irão impactar as economias mundiais, seja para a produção de baterias com maior eficiência e durabilidade, seja para ligas metálicas de alta tecnologia para a indústria robótica e aeroespacial”, explica o geólogo Eugênio Pires Frazão, do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM), apontando que alguns países já vêm recorrendo, em terra, ao reaproveitamento de sucata e à extração de minerais específicos a partir de eletrônicos já existentes.
Mas nem isso pode ser suficiente para suprir à alta demanda por recursos.
“Dessa forma, restará aos países explorarem as regiões mais remotas do planeta, a última fronteira exploratória da Terra, os oceanos profundos. É literalmente uma corrida pelo ouro.”
No mundo, 30 licenças para a pesquisa exploratória de vastas extensões do fundo do mar, envolvendo 22 países exploradores, já foram emitidas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) — uma organização internacional fundada após uma convenção das Nações Unidas sobre o tema.
Atualmente, porém, não existe nenhum contrato vigente concedido pela ISA para a exploração efetiva dessas áreas, com retirada de recursos. As normas para isso estão sendo elaboradas, neste momento, pelos países-membro da organização.
Entre as companhias que já receberam licenças para pesquisa exploratória, está a própria CPRM, uma empresa pública brasileira.
Desde 2015, o Estado brasileiro tem o direito exclusivo de pesquisa exploratória das crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto em uma área de 3000 km², além da jurisdição nacional, no Atlântico Sul — na região conhecida como Elevação do Rio Grande (ERG). A licença tem período de 15 anos.
Trata-se do primeiro contrato para exploração no Hemisfério Sul e o quarto no mundo. O programa segue em fase de estudo da viabilidade econômica.
“Em relação aos recursos minerais, estamos apenas começando (no país) as pesquisas fundamentais para que possamos quantificar esses recursos. É um programa de Estado que em determinado momento deverá atrair o setor privado. Hoje, temos apenas alguma produção de granulados bioclásticos e sal gema na plataforma continental até 30 metros de profundidade que ainda não possuem expressão econômica significativa”, explica Frazão.
O geólogo afirma que a exploração pelo Serviço Geológico do Brasil cumpre responsabilidade ambiental e segue todas as normas internacionais para o estudo e desenvolvimento da “linha de base ambiental da área do contrato”, ou seja, pesquisa e levantamento dos recursos minerais e da biodiversidade do país de modo a minimizar impactos.
“Com a interposição das ONGs ambientais, acreditamos que um debate propositivo e com embasamento científico só virá a engrandecer a questão da mineração em profundidade mundialmente. Quanto maior o acúmulo de conhecimento a respeito do tema, mais segura, responsável e sustentável será a atividade mineratória de profundidade”, diz o geólogo.
Expectativa sobre posição europeia em moratória à mineração em alto mar
A menção às ONGs não é fortuita: elas têm feito barulho quando o assunto é a mineração no fundo do mar, usando frequentemente para isso pesquisas científicas.
No ano passado, o Greenpeace entregou uma carta de cientistas marinhos de todo o mundo para os governos na assembleia anual da ISA, ocorrida entre os dias 25 de fevereiro e 15 de março, em Kingston, Jamaica, afirmando que a indústria emergente da mineração em alto-mar “coloca a saúde geral do oceano e seus ecossistemas sob ameaça” e poderia contribuir para a degradação do clima.
Para Louisa Casson, estrategista política sênior do Greenpeace no Reino Unido, as ameaças justificam uma única solução: a mineração no fundo do mar não deve ser permitida, defende.
“É urgente pararmos esse setor antes mesmo de ele começar. Governos de nações como Papua Nova Guiné, que anteriormente apoiavam a mineração em águas profundas, se voltaram contra essa indústria arriscada, juntando-se a Fiji e Vanuatu, grupos do setor pesqueiro, o naturalista David Attenborough e líderes cientistas no apoio a uma moratória”, exemplifica.
“Ao descortinar uma nova fonte de minerais, a mineração em alto-mar incentiva que deixemos de abordar as questões fundamentais de consumo excessivo e uso extremamente ineficiente de recursos em favor de uma rota de fuga, sem evitar encararmos os limites impostos pela natureza finita dos recursos minerais”, complementa Casson.
Em sua Estratégia de Biodiversidade para 2030, publicada recentemente, a Comissão Europeia se uniu ao pedido de uma moratória à mineração comercial em alto mar. Por isso, todos os olhos se voltam para a posição da União Europeia e seus 27 Estados membros — de um total de 36 — no próximo encontro anual da ISA, previsto para outubro de 2020. A pauta deverá também ser central no próximo Congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza em Marselha, França, em janeiro de 2021.
Hoje, para o secretário-geral da ISA, Michael Lodge, o regime de mineração em alto-mar vigente, de 1982, é o mais inovador já criado pela humanidade para o uso equitativo e sustentável dos recursos naturais.
“Esse regime legal cuidadosamente equilibrado, porém abrangente, foi criado para impedir a disputa de recursos por países tecnologicamente avançados no fundo do mar e para garantir que a pesquisa científica, a exploração e a extração beneficiem toda a humanidade. Foi desenvolvido para garantir que a mineração no fundo do mar não fosse realizada por ordem de chegada, mas sob gestão internacional com padrões ambientais globais claros”, escreveu Lodge no blog da organização.
“Não consigo pensar em nenhuma outra atividade no oceano em que tivemos a chance de estabelecer as regras antes que a atividade ocorresse, e devemos aproveitar todas as vantagens dessa oportunidade.”
Em abril de 2019, com o lançamento da Comissão Jurídica e Técnica da ISA, um corpo especialista formado por 30 membros, foi dado um largo passo para um projeto de código de mineração que permitiria a exploração comercial do fundo do mar. O Código de Mineração, garante Michael Lodge, “permitirá a exploração do fundo do mar de maneira a equilibrar a necessidade de minerais com rigorosa proteção ambiental.”
O professor doutor Denis Moledo de Souza Abessa, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Poluição e Ecotoxicologia Aquática (Nepea) do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no entanto, não acredita muito nisso. Para ele, é difícil crer que o Código de Mineração seja capaz de garantir que não ocorrerão danos ao meio ambiente e à vida marinha — isto pelo que se já se vê na mineração em terra.
“Se nas regiões visíveis já temos problemas, imagine numa área distante da costa onde não tem ninguém olhando. Com a questão do petróleo acontece isso — com os fluidos de perfuração, vazamentos e a água que se separa do petróleo, a qual carrega muitos contaminantes. Em relação à mineração nos fundos marinhos, o meu maior temor é que vai ser feita a escavação, então tudo o que estiver abaixo, os habitats, vai ser destruído. É o mesmo problema da pesca com redes de arrasto.”
“As coisas que aconteceram recentemente nas áreas de mineração continental no Brasil, como Mariana, Brumadinho, e outras áreas que estão aí com barragens quase caindo, nos deixa ver muito bem qual a visão setorial tida sobre o meio ambiente”, observa o professor.
“Nós conhecemos mais da Lua do que do fundo marinho”, diz o professor, apontando o desconhecimento que se tem sobre estes habitats e, mais ainda, sobre os impactos da exploração mineral neles.
Biodiversidade e regulação de temperaturas e carbono
Hoje, 66% da área oceânica experimenta impactos cumulativos crescentes, como aponta o Relatório de Avaliação Global da IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos). E o oceano profundo, com ecossistemas inexplorados, é particularmente vulnerável a interferências humanas.
O mar profundo cobre cerca de 65% da superfície do planeta, controlando e hospedando grande parte da biodiversidade do planeta. Esses lugares remotos também desempenham um papel importante na regulação da temperatura e de gases do efeito estufa.
Um estudo recente, publicado em abril pelo Instituto Max Planck de Microbiologia Marinha, apontou por exemplo como habitantes microscópicos de planícies marinhas, que convivem com materiais economicamente rentáveis, seriam diretamente impactados em suas condições bioquímicas.
Pesquisadores foram ao Pacífico, a cerca de 3.000 quilômetros da costa do Peru, para verificar o que tinha acontecido com uma área que, em 1989, passou por uma simulação conduzida por cientistas alemães. Eles usaram equipamentos para “arranhar” o fundo do mar a 4 mil metros, em uma área rica em manganês.
Na nova incursão, 26 anos após a simulação, pesquisadores verificaram que os rastros do arado no fundo do mar ainda eram claramente visíveis; e também que a presença de bactérias nas áreas que sofreram a intervenção era menor do que nas áreas “virgens”. Segundo os autores, seriam necessários 50 anos para que os micróbios originais dali retomassem completamente suas funções biológicas normais.
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