Mais de 25 mil candidatos que concorreram na eleição de 2016 alteraram a raça declarada ao TSE no pleito deste ano. Destes, 40% deixaram de ser brancos e passaram a se considerar negros.
O número pode ser ainda maior, já que os partidos têm até este sábado (26) para fazer o registro das candidaturas, o que significa que a base no TSE ainda está incompleta. Há até agora 316 mil candidatos registrados.
O levantamento feito pelo G1 mostra que 10.454 candidatos que antes se declaravam brancos passaram a ser declarar negros (a soma de pardos e pretos, segundo definição do IBGE). Juntando com os amarelos e indígenas que também passaram a se declarar negros, o número sobe para 10.779 (ou 42% do total). O maior contingente é de brancos que agora dizem ser pardos. São 9.944.
Para especialistas, há três hipóteses para as mudanças de classificação de raça/cor entre os candidatos: aumento de identificação/consciência, erro de preenchimento e fraude.
O ministro Ricardo Lewandowski determinou que valerá já nas eleições deste ano a divisão proporcional de recursos e propaganda eleitoral entre candidatos negros e brancos, o que pode ter impactado nas mudanças.
O professor-assistente do departamento de ciência política da Universidade da Flórida Andrew Janusz acredita que “os brasileiros estão ficando mais conscientes de sua cor”. “Embora os políticos e a população tenham passado a se declarar negros, acho que geralmente eles têm motivos diferentes. Muitas vezes políticos brancos passam a se declarar negros quando é eleitoralmente útil.”
Mas ele diz que, na população, isso também se deve a uma maior instrução e a um maior acesso das pessoas. “Quando os indivíduos recebem educação, eles podem se fortalecer e abraçar identidades negras.”
Para o professor de ciência política da UFMG Cristiano Rodrigues, a tendência é que mais pessoas negras se candidatem, de fato, neste ano. “Houve nos últimos anos vários movimentos que levaram ao aumento das candidaturas negras”, afirma. “Um deles é o efeito Marielle. Ela se tornou um símbolo e tem motivado várias pessoas negras a entrar na política.”
“Neste ano, especialmente, também temos visto a questão racial ganhar espaço na mídia e no debate público tanto no Brasil quanto fora. E há uma reação ao governo federal, que tem adotado posturas que podem ser consideradas racistas ou que levam os negros a não se sentirem representados.”
O levantamento do G1 mostra ainda que 8.365 candidatos que se declaravam pardos agora dizem ser brancos. Outros 3.319 que se diziam pardos agora se declaram pretos. E 2.559 fizeram oposto: antes constavam como pretos e agora são pardos.
Há também 294 candidatos que se declaravam pretos e agora aparecem como brancos. Outros 510 que diziam ser brancos agora preencheram o dado como sendo pretos.
Rodrigues afirma que parte pode ser explicada pelas características do próprio sistema de classificação. “O próprio sistema de classificação é fluido. Não estou dizendo que não deve ser assim. Deve. Só que isso abre precedentes para que algumas pessoas façam uso errado.”
“De preto para pardo e vice-versa não altera a classificação de negro. O que interessa para distribuição de recursos é de branco para pardo ou preto”, diz.
“As mudanças de preto para pardo e de branco para pardo dizem respeito à fluidez da classificação racial. Já a passagem do preto para branco é mais complicada. Imagino que seja um problema no preenchimento. E de branco para preto é um indicativo de fraude”, afirma Rodrigues.
Janusz afirma que evitar fraudes na autodeclaração é “muito difícil”. “Mas acho que, como os dados são públicos, os políticos se tornarão mas cuidadosos ao declarar sua raça. Se eles perceberem que podem ser punidos pelos eleitores, vão parar de fazer isso.”
Janusz considera importante a questão de uma reserva de recursos para negros, mas não pensa ser essa uma solução definitiva. “Isso está resolvendo uma lacuna importante entre brancos e não brancos. No entanto, não acho que seja suficiente.”
Fonte: G1 Globo