Somente dois copos de leite. A bebida simples atraiu mais o empresário Eike Batista do que os requintados lagostins com quinoa, filé com gengibre, frango com ervas e as arepas de queijo de cabra servidos no voo 973 da American Airlines, que veio de Nova York. Eike chegou ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, na manhã desta segunda-feira, e foi preso pela Polícia Federal. Na classe executiva, Eike foi acompanhado pelo repórter do GLOBO da poltrona vizinha à sua na aeronave. Satisfeito com elogios e selfies de admiradores, o ex-homem mais rico do Brasil não jantou em sua última noite em liberdade.
O humor do empresário foi mudando desde quando ele chegou ao aeroporto JFK em Nova York até o momento que entrou no avião. De carrancudo, passou a simpático e falante. Ele até deixou de lado um pouco seu celular, de que não desgrudava quando entrou na sala de embarque.
Embora tenha dito que não falaria nada sobre a investigação, pois está “sub júdice”, Eike deu pistas de como vê os crimes de que foi acusado. Mesmo sem citar nomes, disse que o esquema de corrupção dos governos é maior do que se imagina e que não era ele quem oferecia carona para governantes em seu avião – “os políticos que o pressionavam a fazer isso”. Ele afirmou ainda que, em geral, os empresários são vítimas dos políticos corruptos. E disse, com todas as letras, que acredita que não errou.
Eike chegou ao aeroporto de tênis Nike preto com detalhes verdes, camisa brim sobre uma camiseta cinza e com um blazer preto de camurça, onde exibia um broche dourado que fazia lembrar o sol que era marca de suas empresas quando estava à frente da EBX, seu ex-conglomerado. Talvez graças ao leite, dormiu bem todo o voo. Antes, porém, falou muito sobre o futuro:
– Vou continuar a construir como sempre eu construí coisas no Brasil – disse, ao ser questionado sobre seu futuro, afirmando ser fã da Operação Lava-Jato que pediu a sua prisão.
A palavra mais dita pelo empresário nos momentos antes do voo – quando se recusou a ir para a sala VIP das pessoas com passagem na classe executiva (o que ele diz sempre evitar) -, foi “espetacular”. Assim ele classificou o Brasil, as oportunidades, o futuro mais transparente que surgirá da Lava-Jato. Este futuro, acredita ele, vai facilitar que mais investidores façam coisas “grandiosas” como ele crê ter feito para o país, repetindo outro bordão recorrente em seu dicionário.
– Estas pessoas reconhecem o que eu fiz pelo país. Vou te dar um número: nos últimos 16 anos, em recursos próprios ou de estrangeiros, investimos US$ 40 bilhões no Brasil – disse ele sobre a imensa maioria das abordagens positivas que teve no aeroporto.
Somente uma pessoas o agrediu verbalmente na sala de embarque, chamando-o de corrupto e dizendo que ele ia “dividir uma catuaba selvagem com seu amigo (Sergio) Cabral (ex-governador do Rio) em Bangu”.
– Paciência – reagiu ao ser insultado – Isso e culpa ó… – disse, apontando os dedos para os dois repórteres na sala de embarque, culpando a imprensa.
Outros passageiros, que inclusive tiraram fotos com Eike, disseram que alguns jovens do voo estavam planejando gritar para ele”uh, uh, uh, direto pra Bangu”. Mas o protesto não ocorreu. As pessoas que o tietaram parabenizavam, afirmavam que ele foi um grande empreendedor e que se cercou de pessoas ruins.
Eike admitiu que sua prisão vai atrapalhar um dos seus novos planos para voltar a ficar bilionário: uma pasta dental “revolucionária”. Mas se mostrou sereno e disposto. Horas antes de embarcar, debateu política, empreendedorismo, história e até o governo Donald Trump. Ele até vaticinou que se o candidato democrata fosse Joe Biden, o vice de Barack Obama, o partido continuaria no poder americano. E também falou, é claro, dos problemas do Brasil.
ELE GOSTA DO TRUMP
– O Brasil precisa ser pensado de uma maneira holística. Criar uma refinaria no fim da Baía de Guanabara? Vai tomar no cu, ali foram R$ 30 bilhões pelo ralo, não vale merda – disse, se referindo ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) como exemplo do desperdício nacional, que segundo ele chegou a R$ 1 trilhão em projetos como pontes que levam “nada a lugar nenhum”.
Apesar de discordar de Trump, confessou que gosta do estilo decisivo do empresário. Questionado sobre novas lideranças no Brasil, citou João Dória, o novo prefeito paulistano:
– Ele já tem feito muita coisa, repara. E ele conseguiu o quê: R$ 150 milhões do nada? É algo importante, ele tem disciplina – disse.
O empresário entrou no aeroporto americano correndo e sem responder às perguntas que lhe foram feitas na área de check-in do Terminal 8 e parecia tentar se esconder entre uma pilastra e as cadeiras de engraxates vazias da sala de embarque, demonstrando um pouco de irritação e desconforto. Mas depois se mostrou afável, disponível e solicito, tirando selfies com um grupo de brasileiros que chegou a fazer fila para registrar o momento ao lado do mais famoso procurado pela Justiça brasileira, que demonstrava um otimismo que não parecia comum a alguém que estava prestes a encontrar o seu pior momento desde o seu ápice como sétimo homem mais rico do mundo.
SONO TRANQUILO
Por causa do assédio, entrou erroneamente na fila de um outro avião, no portão ao lado, que estava indo para Hong Kong. Quando viu o repórter do GLOBO o seguindo para o portão errado, brincou:
– É aquela história, uma mula seguindo outra mula – disse, rindo.
Eike topou tirar foto para o repórter do GLOBO já em seu assento e avisou que ia dormir durante toda a viagem. Afirmou não ter tomado nenhum calmante e usou apenas a venda dos olhos por causa da claridade da cabine.
– Me deixe dormir – disse ao comissário de bordo que questionou se ele deveria ser acordado para o café da manhã.
O sono de Eike foi marcado pelo silêncio – ele apenas tossiu algumas vezes no meio da viagem. A prisão pode até atrapalhar os planos futuros de Eike, mas nem na véspera isso pareceu lhe tirar o sono.
Fonte: OGlobo